Marcos 3.13-19 relata a escolha
dos doze de forma singela, mas profundamente significativa. Dentre o grupo de
discípulos, Jesus escolhe doze para constituir apóstolos, o que nos mostra que
mesmo havendo um chamado geral para todo cristão existe também um chamado
específico para alguns. Todos são chamados ao testemunho da fé, ao exercício de
algum ministério, à evangelização dos perdidos e à edificação da igreja, mas
nem todos são chamados ao pastorado, a ministérios pioneiros de plantio de
igrejas, nem todos são direcionados a cruzarem mares, embrenhar florestas ou
desafiar desertos. Existem chamados e direcionamentos específicos.
Somos chamados segundo a vontade de Deus
Os doze não se
voluntariaram nem foram democraticamente nomeados pelos demais. Foram chamados
ao apostolado “os que ele mesmo quis” e o resultado foi surpreendente, pois o
que vemos não é a lista dos doze melhores homens da terra.
Dos Seus doze, quis
Jesus que onze fossem da menosprezada Galiléia, zona norte de Israel, terra dos
pequenos vilarejos, de economia doméstica, região de gente simples, pescadores,
muitos iletrados, de onde se dizia não surgir profeta e não se esperava
qualquer coisa boa de lá (Jo 1.52; 7.52). O único da prestigiada Judéia, da
badalada zona sul, era Judas, cujo sobrenome “Iscariotes” significa “homem de
Keriote”, uma pequena cidade ao sul de Hebrom.
A opção pelos galileus
evidencia que o chamado não se baseia na sabedoria humana, na influência política
nem no sobrenome da família. Não raramente Deus nos surpreende ao escolher as
coisas loucas e fracas do mundo, humildes, desprezadas e as que não são,
evitando assim a glória humana, mostrando que somos nada mais que vasos de
barro conduzindo um tesouro, pessoas marcadas por fragilidades e por isso
alvejadas pelo poder que se aperfeiçoa na fraqueza (1 Co 1.26-29; 2 Co 4.7;
12.9). O chamado é baseado unicamente na vontade de Deus. Jesus quis chamar
gente simples e por isso o campo missionário está repleto daqueles que não são.
Ao contrário do que
muitos pensam, o campo missionário está cheio de gente frágil, alguns de mentes
complexas, outros simplistas, uns pessimistas, outros ingênuos, não poucos
emocionalmente vulneráveis, outros com imaturidade espiritual, muitos de
difícil relacionamento, outros sensíveis demais, vários de liderança fraca,
outros centralizadores, todos herdeiros da queda, que impõe em nosso DNA o pecado
que tenazmente nos assedia. Esses somos nós, missionários e pastores, no campo
e no púlpito.
Somos chamados à Proclamação
Mas diferente dos
mestres da época, Jesus é um mestre em movimento, e por isso Ele chama seus
discípulos “para estarem com ele e para os enviar a pregar”. Não os chama para
se aperfeiçoarem na reclusão de um mosteiro, mas sim para serem transformados
enquanto vão de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, lançando a semente. Se
nosso primeiro chamado é para estar com Cristo, nosso segundo e simultâneo
chamado é para estar com o perdido e apresentar-lhe as boas novas.
Enquanto igreja, somos
os únicos incumbidos e autorizados a evangelizar. Nem tudo que é eclesiástico é
missão e nem tudo que é missão é evangelização. Na missão há espaço legítimo e
necessário para diferentes ações, mas nenhuma substitui a proclamação do
evangelho. Existem diferentes formas de minimizar o sofrimento e resgatar a
dignidade humana, mas nenhuma tem o poder de transformar o homem como o
evangelho. Esse é o nosso chamado à espiritualidade e à proclamação. Sem
espiritualidade, a proclamação é hipócrita. Sem proclamação, a espiritualidade
é deficiente.
Se o primeiro grande desafio no
campo missionário é amadurecer espiritualmente, o segundo maior desafio é
sermos efetivos na proclamação. Frente às demandas que são sempre maiores do
que nós, frente às carências sociais que gritam a nossa volta e exigem uma
resposta, frente às necessidades e expectativas de uma sociedade carente, é
sempre possível e mais fácil nos dedicarmos excessivamente a legítimas causas
humanitárias e minimamente à evangelização. É também mais confortável, pois as
primeiras fazem do missionário um benfeitor, enquanto a segunda muitas vezes
lhe torna persona non grata.
Frente às ideologias de
uma sociedade que se diz pós-cristã e suas ressalvas à fé, é sempre necessário
gastar tempo e energia em busca por espaço. O risco é se dedicar excessivamente
à aceitação social e minimamente à proclamação. A ação humanitária é legítima e
necessária, a aceitação social é necessária e imperativa. O desafio é conciliar
tudo isso à efetiva pregação do evangelho, pois fomos chamados para proclamar e
a fé vem pelo ouvir.
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